Por Vicente Loureiro – Arquiteto e urbanista, doutorando pela Universidade de Lisboa, autor dos livros Prosa Urbana e Tempo de Cidade
O que esperar das novas tecnologias para que as cidades possam se tornar economicamente e socialmente mais inclusivas, urbanisticamente justas e ambientalmente sustentáveis? São variadas as possibilidades anunciadas por aplicativos já conhecidos, além de outros aguardados com muita animação. Os resultados obtidos nas chamadas “Smart Cities” justificam, em parte, esse olhar esperançoso para o futuro. Porém, existem lacunas ainda não cobertas pelo conjunto de inovações ao alcance da “palma da mão”, quase todos os produtos das sequelas de um modelo de desenvolvimento excludente e muitas vezes predatório.
Inegáveis são as transformações na vida das pessoas provocadas por sensores diversos, pela automação dos processos, pelos avanços da robótica, pelo alcance da internet das coisas, pela revolução embutida na inteligência artificial e pela conectividade sem limites, entre outras novidades. Surpreendente, de certa forma, é ver ainda partes do território das cidades com um contingente expressivo de moradores e serviços públicos essenciais que não foram alcançados por tais inovações. A mediação impotente dos governos e o custo de algumas delas parecem ser obstáculos intransponíveis.
Não é exagero destacar que essas soluções e serviços, impulsionados pelas novas tecnologias, estejam impactando as cidades, promovendo melhorias na qualidade de vida de seus habitantes, alavancando o desenvolvimento e acelerando a chegada do futuro. No entanto, são procedimentos que exigem investimentos permanentes e custosos em equipamentos, softwares e treinamento de pessoal, o que a maioria delas, infelizmente, não consegue acompanhar. Apenas uma elite, composta por cerca de 10% dos municípios brasileiros, dão conta de custear tais iniciativas de forma sistemática e cumulativa.
Para corrigir as desigualdades acumuladas de renda, acesso a oportunidades ou a bens e serviços públicos básicos, é preciso focar nos territórios onde elas ocorrem e costumam persistir. São nesses espaços fragilizados das cidades que as novas tecnologias e seus aplicativos deveriam estar testando prioritariamente o alcance de seus benefícios e medindo os resultados positivos e concretos promovidos na vida das pessoas visadas. A inclusão e justiça social, econômica e urbanística devem ser direcionadas aos que mais precisam e, sempre que possível, nos CEPs onde a vida deles acontece.
É imperdoável não conhecer e monitorar com precisão a realidade física e urbanística desses assentamentos debilitados, muitas vezes marginalizados e tomados pelo crime, e que suas demandas sociais não estejam devidamente quantificadas e espacializadas e que tão pouco tenham sido testados modelos alternativos de governança neles, incluindo e integrando as políticas públicas dos três níveis de governo. Ainda não presentes como esperado, mas absolutamente desejáveis e indispensáveis.
Utilizar as novas tecnologias para controlar e gerir a expansão territorial e das construções nesses ambientes, reduzir o grau de informalidade e precariedade do trabalho de grande parte de seus habitantes economicamente ativos, incluir nesse esforço jovens “nem nem” e os cooptados pelo tráfico, deveriam ser considerados os desafios mais emergentes daquilo que elas podem proporcionar. Se, juntamente com esses procedimentos, forem feitos esforços para tornar o estado realmente presente, tanto virtual quanto fisicamente, será possível classificar as cidades como inteligentes, pois estarão mais justas e acolhedoras.