terça-feira, 30
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abril
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2024

Uma Cidade Sem Carros

Por Vicente Loureiro – Arquiteto e urbanista, doutorando pela Universidade de Lisboa, autor do livros Prosa Urbana e Tempo de Cidade

Não é utopia. Parece impossível, mas uma cidade pode viver sem carros. O testemunho dessa façanha vem da Espanha, mais precisamente da Comunidade Autônoma da Galícia, onde está localizada a cidade de Pontevedra, um lugar no qual o prefeito, no final do século passado, resolveu ousar, reduzindo drasticamente o número de carros em circulação. Os resultados são diversos prêmios conquistados pela transformação urbana pioneira e ter virado modelo internacional de mobilidade e “pedestralização”.

O sucesso da empreitada foi tanto que diversas cidades espanholas e da Europa seguiram os passos de Pontevedra e o governo espanhol já estuda adotar lei obrigando a implantação de zonas de restrição de veículos em cidades com mais de 50 mil habitantes. Tirar o carro das ruas virou quase uma imposição. Estimular as pessoas a caminharem pela cidade parece ser a melhor e mais objetiva alternativa para conter o uso abusivo e espaçoso dos automóveis.

No início, existiram resistência e protestos de moradores e comerciantes. Com o passar do tempo, as evidências de melhoras no modo de se mover na cidade e de usufruírem com tranquilidade e segurança seus espaços públicos, fizeram os cidadãos de Pontevedra pedir ainda mais ruas exclusivas de pedestres, permitindo a cidade reduzir em quase 80% a circulação de automóveis, a ponto de hoje ouvirem por lá o murmúrio de vozes humanas e cantar de pássaros no lugar de buzinas e ronco de motores.

Foi preciso coragem política do então prefeito para fechar inicialmente todas as ruas do centro da cidade a circulação de veículos, eliminar 40% das vagas de estacionamento e tornar o pedestre o principal protagonista do espaço público urbano. Os resultados compensaram. Faz mais de uma década que Pontevedra não registra nenhuma morte por acidente de tráfego e um novo estilo de vida de proximidade passou a vicejar na cidade, com trajetos a pé ou de bicicleta sendo hoje dominantes em substituição aos mais de 90 mil carros que circulavam na cidade nos anos 90. Não é à toa, portanto, que ela tenha virado ícone internacional de mobilidade ativa e sustentável.

Uma outra inovação importante surgida em Pontevedra foi o “metrominuto”, um mapa esquemático dirigido a pedestres, semelhante aos de linhas de metrô, estabelecendo distâncias e os tempos de percurso a pé entre pontos notáveis da cidade. A novidade virou moda espalhando-se por toda a Europa, estimulando o bom hábito de caminhar, encorajando cidadãos a se deslocarem a pé e a desapegarem do automóvel. Acertam quando apregoam que se vive melhor a pé e que, cada vez mais, devemos nos mover usando nossa própria energia.

Na verdade, Pontevedra não extinguiu o uso do automóvel completamente de suas ruas, restringiu bastante e criou em substituição condições favoráveis à circulação de pedestres e ciclistas. Os resultados obtidos apontam para necessidade de acreditamos que a dependência do automóvel tem cura. Ao contrário do que se imagina, pode ser enfrentado de modo cômodos e agradável. O difícil é fazer pessoas e autoridades acreditarem no fato dos carros não serem mais tão benvindos nas cidades.

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