Por Vicente Loureiro – Arquiteto e urbanista, doutorando pela Universidade de Lisboa, autor dos livros Prosa Urbana e Tempo de Cidade
A série “Como viver 100 anos: o segredo das Zonas Azuis”, em exibição na Netflix, apresenta cinco lugares no mundo onde é comum as pessoas terem uma vida centenária. São vilarejos e cidades localizadas em ilhas, montanhas, centros urbanos dinâmicos e também em áreas rurais e isoladas. Todas seguem mais ou menos a mesma receita para as pessoas viverem mais, sem esforço e com um estilo de vida vibrante, ativo e aparentemente feliz.
Assisti aos episódios, imaginando se seria possível para cidades maiores promoverem políticas públicas na mesma direção. Tive a impressão de que sim. Na verdade, a série protagonizada pelo jornalista e explorador da National Geographic, Dan Buettner, foi produzida tentando responder algumas perguntas que nos fazem acreditar ser possível aumentar significativamente a expectativa de vida nos grandes centros urbanos.
Ter uma vida longa e saudável não deve ser um privilégio apenas dos moradores desses lugares especiais ou das faixas de renda mais elevadas da população. É possível e necessário investir e trabalhar para evitar que dois terços dos habitantes do planeta continuem morrendo de mortes evitáveis, sendo que mais da metade deles já vivem em cidades; é importante que elas comecem a agir.
Os exemplos apresentados no documentário foram retirados de pesquisas e trabalhos de campo realizados pelo apresentador ao longo de mais de 20 anos. Apesar de distintos, eles guardam importantes semelhanças, o que, à primeira vista, os torna replicáveis e animadores. Seguem abaixo os “paraísos dos centenários”:
Okinawa, ilha localizada ao sul do arquipélago japonês, orgulha-se de abrigar a população mais longeva do mundo, com baixíssima incidência de diabetes, doenças cardíacas e demência. Seis vilarejos localizados nas montanhas da Sardenha, que em 1999 chamaram a atenção de um pesquisador italiano por seus moradores terem expectativa de vida quase centenária.
Loma Linda, um típico subúrbio norte-americano localizado a 2 horas de Los Angeles, povoado por Adventistas do Sétimo Dia e com a maior expectativa de vida de toda a Califórnia.
Ikaria, uma ilha grega cuja localização geográfica e história contribuíram para uma cultura peculiar, de se tirar sustento do próprio solo, mantendo-se autossuficiente até os anos 80 do século passado.
Nicoya, uma comunidade rural no norte da Costa Rica, com população com expectativa de vida 3,5 vezes maior que a média global, mesmo sendo uma região pobre com um sexto da renda per capita dos EUA.
Mesmo sendo lugares diferentes entre si, seus moradores seguem um padrão de comportamento e cuidados comuns, responsáveis por uma vida mais longa e saudável. Para tanto, costumam mover-se continuamente, transformando atividades do dia a dia em exercícios de baixo impacto, mas muito eficientes.
Comumente têm atitudes proativas, cultivando um propósito ou plano de vida baseado na esperança e evitando o estresse desnecessário, aquele provocado por questões que fogem do alcance. Alimentam-se com sabedoria e moderação, usando comidas à base de plantas, bebendo chás e vinhos. Gostam de manter-se conectados com familiares, parceiros e amigos através de almoços e encontros festivos.
Em todos os lugares apresentados, há ruas destinadas sobretudo aos pedestres, algumas declivosas ou vencidas por escadarias, levando a locais públicos propícios a encontros e práticas de lazer e entretenimento diversos. São locais onde o jeito pacato esconde uma vida ativa, prazerosa e sem espaço para a solidão. Em todos eles, o fazer cotidiano, além de antídoto contra o estresse, faz acontecer um jeito de viver mais e melhor.
A principal lição da série nos garante ser possível fazer mais com menos para obter resultados maiores. Com ela, podemos sonhar com cidades onde fazer parte de viver muito e bem seja uma realidade.