terça-feira, 3
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dezembro
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2024

Agricultura na Cidade

Há uma aparente dicotomia no título desse artigo. Porém, registros históricos garantem sempre ter existido a produção de alimentos dentro dos limites das áreas urbanas. De uns tempos para cá, esta possível contradição vem chamando a atenção de estudiosos, motivando-lhes a conceituar, definir e caracterizar as diversas formas de produção de alimentos presentes nas cidades.

Hoje é possível, segundo a FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura), afirmar que as “atividades de produção, agroextrativismo, coleta, transformação e prestação de serviços que de forma segura gerem produtos agrícolas e pecuários voltados ao autoconsumo, trocas, doações ou comercialização, reaproveitando-se de forma eficiente e sustentável dos recursos e insumos locais” são desenvolvidos em áreas urbanas ou periurbanas em quantidades e qualidade cada vez mais expressivas.

Ainda segundo a própria FAO, mais de 200 milhões de pessoas no mundo, residentes em cidades, produzem alimentos para o mercado urbano. E talvez mais de 800 milhões sejam de alguma forma atingidos pelas práticas da agricultura urbana, principalmente em cidades da África, Ásia e da América Latina, mas não só.

Quanto mais as cidades expandem seus perímetros, mais tênues vão ficando os limites entre as atividades ditas urbanas e as classificadas como rurais, confundindo-se no tempo e, principalmente, no espaço, configurando periferias “rururbanas”, emprestando um novo desafio aos instrumentos de ordenamento do território, incluídos aí os planos diretores e leis de uso e ocupação do solo. De um modo geral, resistentes no lidar com essa tendência de certo modo impositiva e ao que parece inevitável.

Não só os vazios urbanos e terras de engorda da periferia mais distante das cidades vem sendo ocupados pelas atividades de produção de alimentos. Terrenos e galpões localizados em áreas mais centrais estão virando verdadeiras fazendas urbanas de estrutura verticalizada, mas de uso intensivo. Com ajuda da tecnologia prometem alimentos mais saudáveis, frutos de uma produtividade dez vezes maior que a verificada em terras agricultáveis convencionais. Já há no Brasil empresas atuando nesse mercado promissor e aparentemente irreversível.

Surgem por aqui indagações a essas já palpáveis transformações no modo e lugar de produzir alimentos. Por exemplo, como adaptar a agricultura familiar, responsável por boa parte do que vai à mesa do brasileiro a essas novas práticas agrícolas? O Agro pode até ser tech, mas o que comemos de fato nunca deixou de ser majoritariamente pop.

Vicente Loureiro – Arquiteto e urbanista, doutorando pela Universidade de Lisboa, autor do livros Prosa Urbana e Tempo de Cidade
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