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Joseano: o jovem de Piên que se tornará juiz federal

Joseano foi aprovado nos últimos testes e irá ocupar o cargo de juiz federal, após uma longa trajetória de dedicação/Foto: O RegionalEm 1994 o Brasil ganhava a Copa do Mundo de futebol e nesta mesma época o menino Joseano Cordeiro, com 12 anos, era um dos alunos mais aplicados do colégio de Piên. Filho de família humilde e um pouco tímido, ele sempre surpreendeu pelo resultado nos estudos. Fez todo o colegial na escola pública e, para ajudar a família, iniciou cedo ao trabalho. Ainda no ensino médio foi empregado na moveleira Famossul e, posteriormente, na empresa de pisos Tafisa. Sua história começa a mudar quando ele passa no vestibular para a faculdade de direito na Universidade Federal do Paraná.
A partir daí, Joseano Maciel Cordeiro se muda para Curitiba e dá início a uma carreira que serve de referência e hoje orgulha a cidade de Piên. Passou em diversos concursos e nos últimos anos enfrentou a maratona do mais difícil deles. Na semana passada, após longo período de estudos, testes e provas, veio a grande conquista: Joseano passou na última etapa do concurso para juiz federal.
O jornal O Regional possui estreita relação com o futuro juiz e traz uma entrevista que retrata esse importante momento na vida do jovem pienense que é um dos orgulhos da cidade.
Entrevista
O REGIONAL – Como foi chegar em Curitiba e enfrentar uma nova etapa?
Joseano – Iniciei meu curso de graduação em Direito na UFPR em 2003. Na época, passei a morar com meus tios. Foi um começo difícil porque meus pais (Leonides e Jose) não tinham condições financeiras para suportar os meus gastos e eu ainda não tinha nenhum trabalho em vista. Felizmente, após 2 meses, com a ajuda de um primo, consegui um estágio no extinto Tribunal de Alçada, para trabalhar com o Juiz João Kopytowski, hoje desembargador aposentado, uma das pessoas mais sérias e comprometidas que já conheci e que muito me ajudou.
O REGIONAL – Você passou por muitos desafios, principalmente na trajetória profissional, como foi tudo isso?
Joseano – Ainda no primeiro ano da graduação, prestei concurso para o cargo de técnico do Tribunal de Justiça do Paraná, que exigia apenas nível médio. Fui aprovado e assumi o cargo em 2004. A partir desse momento a situação melhorou, pois já tinha um cargo estável e uma remuneração razoável. Depois prestei mais dois concursos para Técnico Judiciário e fui aprovado em ambos. Trabalhei por 10 meses no TRE e quando fui nomeado para a Justiça Federal decidi mudar, pois já tinha em mente a ideia de fazer concurso para Juiz Federal. Isso foi em 2008, logo após a minha formatura.
O cargo de Juiz Federal, além da graduação em Direito, exige também que o candidato tenha três anos de prática jurídica. Eu precisava ainda cumprir esse requisito e passei a prestar concursos que exigissem formação em direito, sem a exigência de prática. Fui aprovado para os cargos de Analista Processual do Ministério Público Federal e Analista Judiciário da Justiça Federal do Paraná.
O REGIONAL – Quando iniciou o processo para Juiz Federal?
Joseano – Decidi que faria o concurso para Juiz Federal quando estava no final do curso de Direito. Percebi que dentre as carreiras jurídicas era a que mais me atraía. Iniciei minha preparação para o concurso para juiz em 2010. O programa das matérias exigidas é extenso, abrangendo 14 áreas do direito. Passei a estudar entre 4 e 5 horas por dia, incluindo, na medida do possível, os fins de semana e feriados, lembrando que precisava conciliar essa rotina com o trabalho na Justiça Federal.
O REGIONAL – O que mais pesou neste período?
Joseano – Em geral, a maior dificuldade para quem se prepara para um concurso público de alto nível de exigência é manter a motivação para estudar por longos períodos. Comigo não foi diferente. Sabia que precisava estudar várias horas por dia durante semanas, meses, anos, sem ter data para acabar e sem ter a garantia de sucesso. Passei por vários períodos de desânimo, porém procurava superá-los o mais rápido possível e retomar minha preparação. Nos momentos de abatimento é preciso olhar para dentro de nós mesmos e buscar lá no fundo aquilo que nos move, o porquê de termos nos lançado ao desafio proposto. Sinto que tenho vocação para o cargo de juiz e acredito profundamente que alcançarei minha realização profissional e humana no desempenho dessa função, por meio da qual, ainda que com todas as minhas limitações, poderei contribuir um pouco com a concretização da justiça em nossa sociedade. Era nisso que eu pensava quando estava desmotivado. Sabia que se desistisse carregaria a frustração por toda minha vida. Além disso, sempre pensei na satisfação que minha aprovação causaria em meus familiares e isso também ajudou-me a manter o foco.
Na primeira tentativa, ainda em 2010, não passei na primeira fase. Na segunda, em 2012, fui aprovado na etapa inicial, porém não passei na segunda etapa. Finalmente, no terceiro concurso obtive a aprovação em todas as fases.
O REGIONAL – Qual o pensamento quando estava na reta final?
Joseano – Um misto de alegria e apreensão. Você percebe que já está muito perto, mas ainda não chegou. O índice de reprovação na prova oral é muito baixo, tanto que todos nós fomos aprovados. O grau de exigência das etapas anteriores faz com que só cheguem à etapa final aqueles que já acumularam um nível significativo de preparação. Eu sabia disso. Por isso, meu pensamento era manter a tranquilidade e fazer uma preparação específica para a prova oral a fim de que nada desse errado. Estudei muito nas semanas anteriores, fiz simulações de prova, sessões de terapia com uma fonoaudióloga para preparar a voz, dentre outros cuidados para chegar pronto para a etapa derradeira.
O REGIONAL – Qual foi o sentimento quando saiu o resultado?
Joseano – Os sentimentos experimentados com a conquista do objetivo são maravilhosos. A alegria e a satisfação de alcançar algo pelo qual se lutou muito é quase indescritível. E esses sentimentos crescem ainda mais quando vivenciados juntamente com muitas pessoas que ajudaram, participaram e acima de tudo acreditaram na viabilidade do objetivo. No meu caso, tive o envolvimento muito próximo da minha esposa Soeli, que me deu todo o suporte para poder manter o foco na preparação e também a torcida e o apoio dos meus pais, irmãos, cunhados, sogros, colegas de trabalho, etc.
O REGIONAL – O que acontece agora? Nomeação, local de trabalho?
Joseano – Minha posse no cargo está marcada para o dia 3 de junho e ocorrerá no Tribunal em Porto Alegre. Na sequência, teremos um curso de formação inicial de 4 meses na capital gaúcha e então iremos cada um para os respectivos locais de trabalho, que serão definidos nas próximas semanas. A Justiça Federal é dividida por regiões do país. No nosso caso, a sede do Tribunal Regional Federal é Porto Alegre, mas as vagas são para toda a região sul, nas cidades nas quais a Justiça Federal está presente. A escolha do local de trabalho é feita de acordo com a ordem de classificação no concurso. Essa ordem ainda não foi divulgada porque depende da finalização da avaliação dos títulos apresentados pelos candidatos. Eu devo ficar entre os três primeiros colocados, o que me conferirá uma boa prioridade de escolha.
O REGIONAL – Você passa a ser um exemplo em Piên, de dedicação e superação, além de ser uma referência para novas gerações. Como você interpreta isso?
Joseano – Fico feliz por isso, não por uma questão de vaidade. Espero apenas que minha história demonstre que o fato de ter nascido em uma família humilde, crescido em uma pequena cidade do interior e ter estudado sempre em escola pública não impõe uma barreira intransponível aos nossos horizontes ou projetos de vida. Podemos ser mais do que aquilo que as nossas condições aparentemente nos impõem. Cada um, em especial os mais jovens, deve refletir sobre aquilo que almeja para sua vida e partir para a luta. Vivemos em um mundo imediatista que valoriza o sucesso instantâneo, mas não o esforço. Esse caminho até pode dar certo, mas é bem arriscado. Penso que seja melhor traçar objetivos e trabalhar dia após dia para concretizá-los.
Não posso perder essa oportunidade de registrar meu agradecimento aos meus professores no Colégio Estadual Frederico Guilherme Giese, os quais também superando inúmeras dificuldades, me ajudaram a ser quem eu sou. Não vou adotar a máxima de dizer que não citarei nomes para não ser injusto. Dentro de alguns dias serei Juiz e o meu senso de Justiça diz que algumas pessoas merecem ser mencionadas, pois foram elas que de forma mais profunda contribuíram para a minha formação, são elas: Professoras Maria das Graças, Neuza e Enoi.
O REGIONAL – O Brasil passa por um momento de crise, principalmente por conta de atos de corrupção. Qual sua avaliação a respeito? Há esperanças?
Joseano – A corrupção no Brasil, infelizmente, não é nenhuma novidade. Ao contrário, trata-se de algo enraizado na cultura política e administrativa brasileira desde o período colonial. O que temos hoje é um maior grau de exposição dos fatos graças ao trabalho da imprensa, do Judiciário, Ministério Público, Polícia Federal, dentre outras instituições. O escândalo do momento envolvendo a Petrobrás assombra pela dimensão dos valores envolvidos, mas não deixa de ser apenas mais um exemplo.
O fato de termos ampla divulgação e debate pela sociedade desse assunto, bem como a atuação das instituições competentes para reprimir os crimes praticados demonstra que há esperança. Nossa consolidação democrática ainda é recente em termos históricos, mas a atuação das instituições é um bom sinal de que nosso processo civilizatório avança silenciosamente em águas profundas apesar das instabilidades transitórias da superfície.
O REGIONAL – Qual será a característica, a linha, a forma de trabalho do Juiz Federal Joseano Cordeiro?
Joseano – Discrição, comprometimento, firmeza e respeito pelas pessoas. Essas são as diretrizes básicas que pretendo colocar em prática na minha atuação como Juiz Federal. Sei que enfrentarei dificuldades e que as exigências quanto ao preparo intelectual e humano não acabam com a aprovação no concurso, mas tenho profunda confiança de que poderei desempenhar um bom trabalho.
 
 

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